PROBLEMA: Inadimplência do possuidor do imóvel e o corte do abastecimento de água.

26/09/2020

SOLUÇÃO: Fornecedora de serviço público ou privado deve indenizar o possuidor pelo corte indevido da água.

No momento em que a ONU, ou parte dela, começou a se preocupar em definir e adotar um "direito humano à água", o Brasil já formulou uma referencia legal diferente, a lei federal nº 9433, que "Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos [etc]", segundo a qual a água é um bem de domínio público, com valor econômico e cujo uso tem finalidades múltiplas; para referira penas os elementos objetos de indagações neste ensaio.

O Código de Defesa do Consumidor foi criado especificamente para proteger determinados sujeitos (consumidores) nas relações de consumo, atendendo a um mandamento constitucional. A relação contratual entre concessionárias de serviços públicos essenciais, como a de água e esgoto, e seus usuários, deve ser disciplinada pela Lei 8078/90, o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que esta Lei define o conceito de fornecedor, nele incluindo as pessoas jurídicas de direito público. Sendo assim, nas relações contratuais e extracontratuais, se for caracterizada uma relação de consumo com a presença de fornecedor e consumidor final, esta relação será disciplinada pela lei consumerista. O art. 6º, inciso X, da Lei 8078/90, por sua vez, declara como direito básico do consumidor: a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral, ou seja, segundo o CDC, os serviços públicos essenciais não são passíveis de interrupção, mesmo que esteja inadimplente o consumidor. Portanto, as concessionárias de serviços públicos são obrigadas a implantar a manutenção, modernização e fiscalização de suas estações, subestações, distribuidores, redes e sistemas de canalização, etc., bem como de todos os equipamentos instalados em tais locais, para segurança dos consumidores que estão próximos de tais instalações. Outrossim, impõe o Código de Defesa do Consumidor que em casos de descumprimento de alguma dessas obrigações específicas das concessionárias de serviços públicos, há o dever de reparar os danos causados.

Ao redor do mundo, a proteção do consumidor é considerada um grande desafio e, por isso, consiste em um dos temas mais estudados na área jurídica atualmente. A história nos mostra que, entre os séculos XX e XXI, alguns fenômenos marcaram o nascimento e desenvolvimento do direito do consumidor como disciplina jurídica autônoma (microssistema jurídico). Tais fenômenos são resultantes de um novo modelo de associativismo: a sociedade de consumo, caracterizada pela massificada produção e oferta crescente de produtos e serviços, pela concessão sem precedentes de crédito, pela utilização maciça da publicidade e pela dificuldade de acesso à justiça.

Não há serviço público de ensino que surja à mente dos magistrados e cuja evocação implique necessário e imediato reconhecimento da dignidade dos seres humanos usuários do serviço; cujo funcionamento nem seria necessariamente interrompido pelo corte de abastecimento de água.

A Sanepar - Cia. de Saneamento do Paraná foi condenada a pagar a um usuário a quantia de R$ 18.000,00, a título de dano moral, por ter suspendido, indevidamente, o fornecimento de água. O serviço de abastecimento foi interrompido devido a um débito pendente que o cliente se recusou a pagar porque o valor da fatura (R$ 448,69) excedia a tarifa referente ao consumo (R$ 29,43), conforme reconheceu posteriormente a Sanepar. Essa decisão da 12.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, manteve, por unanimidade de votos, a sentença do Juízo da 4.ª Vara Cível da Comarca de Foz do Iguaçu que julgou procedente a ação de indenização por danos morais nº 306/2008, ajuizada por F.F.S.L. contra a Sanepar - Cia. de Saneamento do Paraná, porque esta interrompeu o serviço de abastecimento de água em sua residência, nos meses de fevereiro e março de 2007, época em que sua esposa encontrava-se, respectivamente, no terceiro e no quarto mês de gravidez. A adequação, a eficiência e a segurança da prestação do serviço público são atributos inerentes a todo e qualquer serviço prestado ao consumidor, o legislador apenas quis explicitar uma exigência requerida para todo serviço ainda mais relevante, por se tratar de serviço público. Se não bastasse o Código de Defesa do Consumidor expressar no seu art. 22 que os serviços essenciais devem ser contínuos, seu artigo 42 energicamente veio para não permitir qualquer forma de coação ou ameaça por parte do credor com o intuito do devedor saldar sua dívida.

A Copasa foi condenada a retirar uma cobrança indevida no valor de R$ 723 e proibida de efetuar o desligamento do fornecimento de água de um condomínio de Belo Horizonte. A decisão é do juiz Murilo Silvio de Abreu, da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da capital. De acordo com a representante do condomínio, a Copasa havia deixado de fazer a leitura de seu hidrômetro por dois meses e, ao ser contestada por isso, disse que estaria sem funcionários que pudessem realizar o trabalho na região. Após esse período de inatividade, a empresa de água voltou fazer a leitura do hidrômetro do condomínio. Ao chegar a conta referente à última leitura, foram cobrados valores referentes ao tempo em que a Copasa esteve inativa, fazendo com que a conta de água chegasse a R$ 723. O condomínio resolveu contestar os valores e obteve como resposta que se não quitassem o débito teria a água cortada. No processo, a defesa da Copasa alegou que a cobrança foi baseada na média de consumo dos meses anteriores e que a interrupção na leitura deveu-se ao difícil acesso do condomínio. Sustentou ainda que o procedimento é legal e justo. Para o juiz Murilo Silvio, a Copasa teria que avisar ao condomínio que faria tal procedimento. Como não o fez, tornou a cobrança ilegal. "Logo, por inexistir lastro probatório que apoie a cobrança promovida pela requerente (Copasa), impõe-se seja declarada a nulidade da cobrança como pretendido na inicial", acrescentou magistrado.

Logo mais, o art. 6º do diploma consumerista faz novamente menção os serviços públicos, afirmando que são direitos básicos do consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Já o art. 22 consolida uma série de normas-princípios e normas-regras que deverão pautar a prestação dos serviços públicos, dizendo que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Ademais, há divergência doutrinária e jurisprudencial em torno da questão se todo serviço público é serviço de consumo.

A Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) deverá pagar indenização por danos morais a consumidora, em razão da demora excessiva no restabelecimento do fornecimento de água de seu imóvel. A decisão, unânime, foi da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou recurso da concessionária de serviço público. O caso teve início com uma ação de indenização proposta pela moradora do imóvel em que o fornecimento de água foi suspenso por cinco dias, por conta de manutenção realizada pela Deso na rede de água. Embora a companhia tenha comunicado sobre a interrupção do serviço em dia e horário específico, em vez de 12 horas (como divulgado), a suspensão durou cinco dias, sem qualquer assistência aos moradores dos bairros atingidos pelo desabastecimento. O Tribunal de Justiça de Sergipe considerou que houve dano moral, tendo em vista a demora no restabelecimento de serviço essencial, além do excesso de prazo sem prestação de assistência à consumidora. Inconformada com o entendimento do tribunal sergipano, a companhia recorreu ao STJ. Alegou que houve "vício do serviço, uma vez que apenas a prestação de água foi comprometida, sem que houvesse lesão à saúde do consumidor". Sustentou, também, que o prazo para pedir a indenização estaria prescrito quando a consumidora ajuizou a ação, porque deveria ser aplicado o artigo 206, parágrafo 3º, do Código Civil, que prevê prazo prescricional de três anos para reparação civil. O relator do caso, ministro Herman Benjamin, afirmou que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que "a relação entre a concessionária de serviço público e o usuário final, para fornecimento de serviços públicos essenciais, tais como água e energia, é consumerista, sendo cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor". O ministro explicou que, quando são analisados danos oriundos de produtos ou serviços de consumo, é afastada a aplicação do Código Civil, em razão do regime especial previsto no CDC. "Só excepcionalmente aplica-se o Código Civil, ainda assim quando não contrarie o sistema e a principiologia do CDC", ressalvou. Para o ministro, "é de causar perplexidade a afirmação de que 'apenas a prestação de água foi comprometida'", visto que "a água é o ponto de partida, é a essência de toda vida, sendo, portanto, um direito humano básico, o qual deve receber especial atenção por parte daqueles que possuem o mister de fornecê-la à população". Herman Benjamin considerou que o acórdão do tribunal sergipano demonstrou com clareza o elevado potencial lesivo dos atos praticados pela concessionária. Afirmou, ainda, que os cinco dias sem abastecimento de água configuraram "notória falha na prestação de serviço, ensejando, portanto, a aplicação da prescrição quinquenal do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor".

Sabendo disso, mister se faz conceituar serviço público. As teorias do serviço público desenvolveram-se no primeiro terço do século passado, com a Escola Francesa do Serviço Público, chefiada por Léon Duguit. A definição clássica de serviço público reunia então três elementos: a) o subjetivo, que considera a pessoa jurídica prestadora da atividade - o serviço público seria aquele prestado pelo Estado; b) o material, que considera a atividade exercida - o serviço público seria a atividade que tem por objeto a satisfação de necessidades coletivas; e c) o formal, que considera o regime jurídico - o serviço público seria aquele exercido sob regime de Direito Público derrogatório e exorbitante do Direito Comum. Atualmente, prevalece o entendimento de que não é possível a interrupção do serviço público essencial se o débito do consumidor é pretérito. Somente o inadimplemento de conta regular, entendida como a fatura referente ao mês do consumo, pode autorizar a interrupção do serviço público essencial, desde que previamente notificado o consumidor.

ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: As decisões jurisprudenciais mostram que os tribunais dão amplo amparo a muitos pedidos que objetivam garantir o abastecimento de água de inadimplentes. Concretamente, isso significa que pessoas que deixaram de pagar sua conta d'água e foram sancionadas pelo Agente fornecedor contratualmente estabelecido, através de uma cessação de fornecimento unilateralmente decidida, podem voltar a receber o fornecimento através de petição judicial e sentença judicial. A João Neto Advocacia ampara seus clientes no Judiciário a fim de buscar o restabelecimento da água e esgoto, além de indenização.

João Neto

Advogado

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FONTES:

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