PROBLEMA: Fraude na contratação perpetrada em nome do consumidor.

30/11/2019

SOLUÇÃO: Responsabilidade objetiva da fornecedora, porquanto é risco inerente à sua atividade.

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e, em especial com o surgimento da rede mundial de computadores - internet, operou-se uma verdadeira revolução na forma como os seres humanos interagem com os demais, o que trouxe reflexos no âmbito das relações contratuais. Novos modelos de relação contratual surgem com a finalidade de atender a um número cada vez maior de consumidores, em curto espaço de tempo. É o caso da aquisição de produtos ou serviços mediante utilização de telefone ou por meio da internet. Nessa modalidade, o consumidor, ao acessar o ambiente virtual do fornecedor de produto ou serviço, pode adquirir o bem ofertado com um simples "clique" no local destinado para tal finalidade. A partir daí, o contrato entre as partes é considerado perfeito e acabado, com todas as obrigações e direitos que lhe são inerentes.

A utilização de ferramentas simples e ágeis para a aquisição de produtos ou serviços sem a necessidade da presença física das partes ou da assinatura de qualquer instrumento contratual tem se convertido em ambiente fértil para a concretização de inúmeras fraudes. É que terceiros, utilizando os dados pessoais de outro indivíduo sem prévia ciência e autorização deste, vêm logrando êxito em adquirir produtos ou serviços em nome do titular dos dados furtados, legando à vítima os débitos oriundos da avença fraudulenta, com os consequentes transtornos daí provenientes, sob a forma de cobrança judicial ou extrajudicial da dívida e inserção do nome da parte inocente em cadastros dos órgãos restritivos de crédito.

Para se alcançar os fins a que se destina, todo e qualquer negócio jurídico deve sobrevir revestido de certas formalidades e/ou solenidades, com especial observância a requisitos para sua feitura e implemento e que, quando desconsiderados, caracterizam o negócio entabulado como inválido. No caso de utilização indevida do nome/dados pessoais por terceiro com objetivo fraudulento, denota-se que ausente está um requisito essencial do negócio jurídico, qual seja, a manifestação de vontade, vez que todos os atos atinentes ao negócio denotado foram resultado de manobra astuciosa e fraudulenta perpetrada por um agente falsário, não estando o titular de suposta contratação em momento algum assentindo, nem ao menos ciente do referido negócio jurídico, caracterizando assim, manifesto vício de consentimento.

A inversão do ônus da prova em favor do consumidor é plenamente cabível, ainda mais quando diante de uma matéria que gera diversas ações judiciais contra bancos. Dessa forma, cabe à empresa comprovar que o trato firmado com um consumidor é regular. Com esse entendimento, a juíza Danisa de Oliveira Monte Malvezzi, da 28ª Vara Cível de São Paulo, condenou o banco Panamericano a restituir e indenizar um previdenciário. O autor da ação relatou que o banco vinha descontando R$ 456,36 mensais de seu benefício previdenciário, totalizando R$ 43.810,56 de um empréstimo consignado que ele não contratou.

A empresa contestou afirmando que a contratação do empréstimo foi regular, feita com o conhecimento e a aprovação do requerente. Mas, sob a ótica do CDC, a juíza Danisa Malvezzi afirmou que o ônus da prova seria em favor do consumidor, cabendo ao banco comprovar a regularidade da contratação. O que não aconteceu, uma vez que a companhia ré apenas juntou aos autos o contrato sem apresentar provas de que a assinatura era realmente do autor.

"Diante disso, e especialmente diante do que representa o valor descontado a título de empréstimo em comparação ao valor que o autor recebe de benefício, emerge bastante plausível que tal contratação tenha se dado mediante fraude perpetrada por terceiros, o que torna patente a responsabilidade da ré, em razão da evidente insegurança dos serviços por ela prestados", afirmou a magistrada. Ao acatar parcialmente o pedido do previdenciário, a juíza fixou o valor de R$ 10 mil por danos morais e condenou o banco a restituição simples, podendo descontar da quantia o total de R$ 4.242,59 creditado na conta do autor a título de empréstimo.

No caso vertente, mostra-se irrefutável a natureza consumerista da relação (mesmo que intentada por agente falsário) havida supostamente entre o contratante e a prestadora de serviços, logo, perfeitamente aplicáveis as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o contratante figura como consumidor final dos serviços de telefonia prestados pela operadora. Sob esta perspectiva, mormente o comando que se extrai do art. 14, caput do CDC, o qual determina que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, elucida-se a responsabilidade da operadora em ressarcir os danos suportados pelo consumidor. Ainda, acerca da responsabilidade objetiva, quando não evidenciada qualquer excludente de causalidade, mostra-se irrelevante a averiguação de culpa daquele que assumiu os riscos da atividade empresarial, devendo tão-somente o consumidor comprovar a ocorrência do dano, bem como o nexo causal com a conduta adotada pelo fornecedor do serviço. Nessa linha, denota-se que a possibilidade de contratação verbal de linha telefônica, sem ter a operadora a precaução necessária exigida pela legislação vigente acerca dos negócios jurídicos, o que além de caracterizar a falta de cautela dessa (essencial em contratos que tratam de obrigações relevantes e que podem onerar demasiadamente o contratante), corrobora o ato fraudulento e a facilidade da sua ocorrência. Tem-se, pelo exposto, como imperioso imputar à prestadora de serviços, inclusive a de telefonia, a responsabilidade pelos danos decorrentes da contratação fraudulenta, mesmo que induzida em erro por agente falsário, que logrou êxito ao utilizar, diga-se de passagem, ardilosamente, o nome e dados pessoais do consumidor de boa-fé. Assim sendo, tem-se por inquestionável que a conduta adotada pela prestadora de serviços, especialmente a ausência de precaução no ato da contratação, caracterizada especialmente por não proceder a contratação escrita e recolhimento/reconhecimento da assinatura do contratante, impõe-lhe o dever de indenizar.

Inicialmente, é importante deixar claro que aquilo que denominados como furto de identidade não é somente a apropriação física de documentos de identificação pessoal de outra pessoa. Além disso, tal conduta abarca também as situações nas quais um indivíduo, sem o conhecimento do titular dos dados, deles se apropria para, com isso, efetivar a contratação de produtos ou serviços passando-se pela vítima. Assim, o indivíduo "A" se apropria fraudulentamente dos dados pessoais do indivíduo "B", passando a adquirir produtos ou serviços em nome de "B" que, por consequência, recebe os ônus do contrato, sem que tivesse sequer, ciência de sua existência. Em tais situações, "B", na condição de indivíduo lesado, somente toma ciência de que seus dados foram utilizados indevidamente, quando passa a receber cobranças em função do inadimplemento contratual ou quando descobre que o seu nome se encontra inserido em cadastro restritivo de crédito. A partir do momento em que toma conhecimento da existência do contrato fraudulento, começam os tormentos para o indivíduo lesado, pois a empresa fornecedora do produto ou serviço adquirido, não raras vezes, recusa-se a reconhecer a existência da fraude, passando a tratar o lesado como alguém apenas interessado em se eximir das obrigações do contrato. Muitas vezes, os fornecedores sequer adotam, nessa fase dos acontecimentos, as cautelas necessárias para verificar a autenticidade das informações prestadas quando o contrato foi firmado.

É cabível a responsabilização da empresa de telefonia por inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito quando a contratação do serviço ocorreu mediante fraude. Neste sentido, entende-se que o ato ilegal (no caso, a fraude) integra de o rol de riscos a que está sujeita a atividade empresarial, não afastando, portanto, a responsabilidade civil dos prestadores de serviço, cumprindo-lhes adotar medidas adequadas de prevenção, a fim de minimizar os seus infortúnios. Este foi o entendimento da Segunda Câmara de Direito Civil do TJ, que decidiu, por unanimidade, não só confirmar decisão de primeiro grau da comarca de Tangará, que havia condenado uma empresa de telefonia ao pagamento de indenização por danos morais a uma pessoa inscrita indevidamente no cadastro de inadimplentes do serviço de proteção ao crédito, como também majorar o referido valor de R$ 15 mil para R$ 25 mil.

O contrato com a empresa de telefonia havia sido feito de forma fraudulenta por uma terceira pessoa. Alegou, em sua defesa, que, ainda que não tenha sido o autor quem efetivamente firmou o contrato, a ré não pode ser responsabilizada por ato ilícito praticado por terceiro/falsário.

Em seu voto, o desembargador relator, Sebastião César Evangelista, destacou que:"A cobrança indevida de pessoa que não contratou o serviço prestado é reflexo de negligência da empresa que admitiu a existência da avença e acusou de inadimplemento quem com ela não contratou. É dever do fornecedor desenvolver um sistema de gestão que preserve os beneficiários dos seus serviços de diversos riscos próprios da atividade, dentre eles os decorrentes de erro no cadastro de usuários e encaminhamento indevido de cobranças. Tais defeitos podem decorrer de desorganização interna ou de fraude perpetrada por terceiro, com uso de documentos falsos. No caso específico de empresas do segmento de telefonia e de instituições bancárias, pacificou-se a jurisprudência no sentido de que a fraude é risco da atividade não elide a responsabilidade civil dos prestadores de serviço, cumprindo-lhes adotar medidas adequadas de prevenção, a fim de minimizar os seus riscos."

Nos autos, também não ficou comprovada a culpa exclusiva do terceiro/falsário. "Isto posto, verifica-se ser imperiosa a manutenção da decisão vergastada no que tange ao reconhecimento de ausência de relação negocial entre as partes, vez que a apelante não se desincumbiu de demonstrar fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito da parte autora, não restando outra alternativa senão imputar-lhe a responsabilidade pela inscrição indevida do nome do autor nos róis de inadimplentes.

Sobre o montante indenizatório, o desembargador Sebastião Evangelista levou em consideração a conduta e o porte econômico da ré e, de outro, o dano sofrido pela demandante, bem como o caráter pedagógico da indenização, como medida compensatória e ao mesmo tempo inibitória de novas atitudes "reveladoras de total descaso e desrespeito perante os consumidores", para elevar o valor da condenação de R$ 15 mil para R$ 25 mil. Participaram também do julgamento os desembargadores Newton Trisotto (presidente) e João Batista Góes Ulysséa.

A jurisprudência nacional não vem emprestando ao dano moral provocado nas aquisições de produtos ou serviços mediante furto de identidade, a importância que o tema merece. Dada a proliferação dos casos, provocada pela negligência das empresas em adotarem mecanismos eficientes voltados a coibir tais condutas, o tema vem se tornando recorrente no cotidiano do foro, havendo já uma espécie de tabelamento no tocante ao montante compensatório aplicável nestes casos. Assim, faz-se necessário que as indenizações arbitradas pelo Judiciário quando se tratar de danos morais provocados por furto de identidade sejam exemplares, a ponto de compelir os fornecedores de bens ou serviços a adotar mecanismos de segurança mais eficientes em suas contratações.

ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: É dever do fornecedor zelar pelo bom funcionamento dos serviços que disponibiliza ao mercado, adotando todas as medidas cabíveis para impedir falhas ou condutas lesivas que possam acarretar danos ao consumidor, primando pelos princípios da segurança e boa-fé que regem as relações de consumo. Os danos morais prescindem de prova, configurando-se "in re ipsa", consoante entendimento consolidado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça. O Cidadão que se sentir lesado por ações fraudulentas deve buscar a justiça para receber as indenizações necessárias.

João Neto

Advogado

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FONTES:

jus.com.br

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