PROBLEMA: Fornecedora de água cobra do proprietário os débitos de possuidor anterior.

19/12/2020

SOLUÇÃO: Obrigação deve ser suportada por quem de fato usufruiu do serviço e não pelo proprietário do imóvel.

A conceituação do Direito das Coisas traz uma série de questionamentos acerca de sua relação com o Direito Pessoal. A doutrina se diverge em duas concepções: a teoria realista e a teoria monista. Sem embargo da aceitação dessa dicotomia, não chegaram os civilistas a um critério único para assinalar os traços distintivos do direito real e pessoal. Não obstante, nosso Código Civil adotou a teoria realista. Nesse diapasão, insurge uma categoria intermediária entre o direito real e o pessoal. São figuras híbridas ou ambíguas, constituindo, na aparência, um misto de obrigação e de direito real. As obrigações “in rem”, “ob”, ou “propter rem”, na lição de mestre ORLANDO GOMES, nascem de um direito real do devedor sobre determinada coisa.

Imagine a seguinte situação: Você compra a casa de João. Ocorre que João vendeu a casa, mas deixou um débito de três meses da conta de água. A concessionária ingressou com uma ação de cobrança contra você, alegando que, como comprou a casa, passou a ser o devedor, considerando tratar-se de obrigação propter rem. Para piorar o cenário, a concessionária suspende o fornecimento da água. Agiu de forma correta a concessionária de água? NÃO. O débito de água é de natureza pessoal, não se vinculando ao imóvel. Não se trata, portanto, de obrigação propter rem. Desse modo, você não pode ser responsabilizado pelo pagamento de serviço de fornecimento de água utilizado por outra pessoa (em nosso exemplo, João). Nesse sentido, decidiu recentemente a 1ª Turma do STJ: AgRg no REsp 1.313.235-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/9/2012.Obs: esse raciocínio pode ser aplicado também para os casos de fornecimento de energia elétrica, de telefone fixo ou de TV a cabo. A concessionária pode "cortar" a água (suspender o fornecimento do serviço) nesse caso? NÃO. Explico esse tema por partes: Regra: Em regra, é possível que a concessionária de serviço público interrompa a prestação do serviço, em caso de inadimplemento do usuário, desde que haja aviso prévio. Isso está expressamente previsto no art. 6º, § 3º, da Lei n.° 8.987/95.

Uma das grandes dificuldades de consumidores de serviços públicos é a cobrança de valores referentes a períodos em que o consumidor não utilizou o serviço, ou seja, cobrança pela utilização de terceiros. Este é um desafio que toda pessoa quando adquire ou loca um imóvel passa a enfrentar e, muitas das vezes, não consegue resolver a questão sem o auxílio de um profissional do Direito e/ou por intermédio de ação judicial. Isso porque, prestadores de serviços como água, gás, energia elétrica e telefonia fixa posicionam entendimento de que o débito existente acompanha o imóvel, ou seja, trata-se de obrigação propter rem. Entretanto, equivocam-se os prestadores de serviços dessa natureza, posto que, obrigações propter rem são aquelas nas quais não se pode dissociar a prestação do imóvel. É o caso, por exemplo, das cotas condominiais, em que, independentemente de quem seja o proprietário do imóvel, o débito persiste em relação ao imóvel. Bem por isso que no artigo 1.315 do Código Civil de 2002, encontra-se estipulado exatamente que "O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.". Seguindo este entendimento, de que a obrigação propter rem é aquela em que a pessoa se obriga a cumprir pelo simples fato de ser titular de um direito real, fica bem evidente que o comportamento das empresas prestadoras de serviços públicos, de cobrarem dos novos contratantes débitos do contratante anterior, se mostra absolutamente irregular, contrária ao Direito. Sendo assim, todo novo adquirente de imóvel ou locador, bem como todo novo titular de contrato de fornecimento de gás, energia elétrica, água e telefonia fixa, não é obrigado a pagar o débito de terceiros, antigos titulares dos contratos.

O Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) condenou a distribuidora de energia Light - que atua em 31 municípios do estado - a pagar indenização por dano moral coletivo por descumprir uma liminar que proíbe a empresa de exigir que novos proprietários de imóveis quitem débitos de moradores antigos para conseguirem fazer a troca de titularidade ou religar a energia. O recurso, na 1ª Vara Empresarial, foi proposto pelo Ministério Público, alegando que havia recebido reclamações de consumidores sobre prática abusiva da empresa que atribuía ao cliente a obrigação de quitar um débito que não era seu. Os promotores pediam a aplicação de multa diária no valor de R$ 5 mil, na medida em que uma liminar da Justiça já proibia a Light de condicionar o fornecimento do serviço à quitação da dívida do proprietário antigo. A Justiça deu provimento ao recurso do Ministério Público, mas ainda há possibilidade de recurso por parte da empresa.

Apesar disso, é preciso cuidar da parte burocrática. Solicitar ligação dos serviços de água, gás e energia elétrica são algumas das medidas inadiáveis. É nessa hora que podem surgir os primeiros problemas. Muitas vezes, ao solicitar a ligação de um serviço, o consumidor é surpreendido com a informação de existência de débito do titular anterior e que, em razão disso, o serviço não poderá ser ativado. Mas e agora, o que fazer? Terei de assumir a dívida de outro? A resposta é: NÃO!A dívida em nome de terceiro é considerada pessoal e não admite transferência automática para quem não a tenha dado causa. De acordo com a lei de Serviços Públicos (lei 8987/95), são direitos dos consumidores obter e utilizar o serviço com pleno atendimento às suas necessidades (art. 6º e 7º, inciso III). Na mesma linha, o Código de Defesa do Consumidor estabelece que é proibido ao prestador de serviço recusar a prestação de serviços a quem se disponha contratá-los (art. 39, IX). Há ainda regra específica para alguns serviços - energia elétrica, por exemplo - como ocorre com a Resolução 414/2010, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que determina que é proibido condicionar a ligação ou alteração da titularidade do serviço ao pagamento de débito pendente em nome de terceiros (art. 128, §1º). Sendo assim, independentemente do tipo de serviço, negar a prestação do serviço devido à existência de um débito em nome de terceiro trata-se de prática abusiva e viola o CDC (art. 39, V).O que fazer? Se isso acontecer com você, o ideal é formalizar sua reclamação junto ao fale conosco da empresa prestadora do serviço.

O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que a obrigação de pagar por serviço de natureza essencial, tal como água, energia e esgoto, não é propter rem, mas pessoal, isto é, do usuário que efetivamente se utiliza do serviço. (AgRg no AREsp 45.073/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15/02/2017).Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald definem as obrigações propter rem como: "prestações impostas ao titular de determinado direito real, pelo simples fato de assumir tal condição" (FARIAS, ROSENVALD, 2016, p. 108).Sendo assim, a obrigação de pagar o débito referente ao serviço de coleta de esgoto, água e energia se reveste de natureza pessoal, ou seja, o adimplemento é de responsabilidade do usuário que efetivamente obteve a prestação do serviço, e não propter rem. Em outras palavras, o débito oriundo dos serviços mencionados não está vinculado à titularidade do imóvel e sim à pessoa que manifesta vontade de receber os serviços. Dito isso, em uma situação hipotética em que o locatário de um imóvel se beneficia do serviço de água, por exemplo, e não paga por ele, a concessionária de serviço público somente poderá exigir o pagamento daquele que se beneficiou, isto é, do locatário, haja vista que o proprietário do imóvel não utilizou a água. Outra situação semelhante é a compra de um imóvel que tenha débitos relativos ao consumo de água, energia ou esgoto anteriores à aquisição. Neste caso, o responsável pela quitação dos débitos será o proprietário do imóvel ou quem tenha usufruído dos serviços prestados, já que o fornecimento de água é destituído da natureza jurídica de obrigação propter rem, não recaindo sobre o comprador adquirente nenhuma obrigação de pagar por um serviço que não tenha se beneficiado. Cumpre ressaltar que a concessionária não pode suspender ou recusar o fornecimento de serviços de água, energia e esgoto com base no inadimplemento de débito anterior à aquisição do imóvel.

Em tempos que a tecnologia nos proporciona sermos cada vez velozes, em que todos conseguem fazer cada vez mais coisas, mas mesmo assim, estão cada vez mais com menos tempo para tudo, é compreensível que empresas pretendam ser o mais eficiente possível. Todavia, eficiência não pode significar violação de direito de terceiros.Com efeito, as concessionárias de energia elétrica não podem exigir que novos proprietários de imóveis quitem débitos de moradores antigos para fins de troca de titularidade ou até mesmo para simplesmente religar a energia. É patente que se constitui em prática ilegal e abusiva, na medida em que a empresa obriga o novo proprietário ao pagamento de um débito que não é seu. No caso de distribuição de energia elétrica, remunerado por tarifa, a prestação de serviço está vinculada ao destinatário final e, portanto, trata-se de obrigação pessoal decorrente de uma relação de consumo e, assim, não se configura como uma obrigação propter rem, na qual as dívidas acompanham o imóvel, como ocorre no caso de imposto de propriedade e/ou débitos condominiais. Muito embora essa decisão tenha se dado no âmbito da concessionária Light, que atua em diversos municípios do Rio de Janeiro, nada obsta que tal entendimento seja estendido a outras empresas concessionárias distribuidoras de energia porquanto a legislação vigente igualmente não permite tal prática. Observe-se que a resolução 479, de 3 de abril de 2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica ("ANEEL") proíbe que a concessionária condicione a alteração da titularidade ao pagamento de débito pendente em nome de terceiro, nos termos do artigo 128, § 1°. Portanto, os consumidores que eventualmente se enquadram nessa situação devem procurar preservar seus direitos diretamente em órgãos de defesa do consumidor ou, ainda, por intermédio de escritório de advocacia especializado na área de direito de defesa do consumidor.

ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: A João Neto Advocacia presta assessoria a consumidores de água, energia e congêneres que estão sendo cobrados por débitos de proprietários anteriores de seu imóvel. Obrigação de pagar esses débitos deve ser suportada por quem de fato usufruiu do serviço e não pelo proprietário atual do imóvel. A João Neto Advocacia aciona as concessionarias de serviço público e particulares, buscando as indenizações por danos materiais e morais.

João Neto

Advogado

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FONTES:

extra.globo.com

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dizerodireito.com.br

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