PROBLEMA: Consumidor inadimplente quer o distrato de contrato imobiliário.

16/04/2022

SOLUÇÃO: Consumidor comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas.

A Lei nº 13.786, de 27 de dezembro de 2.018 serviu como um marco legal para os contratos de alienação de imóveis na planta e em loteamento, contendo regras para o inadimplemento desses contratos. O objetivo dessa lei é disciplinar o desfazimento do contrato causado por culpa de uma das partes (resilição unilateral ou resolução por inadimplemento). Em relações envolvendo compra de imóveis "na planta", a parte mais fraca é o adquirente, isto é, o consumidor. O Código de Defesa do Consumidor atenua o pacta sunt servanda e a autonomia da vontade em proteção ao consumidor, que é a parte mais vulnerável. Logo, a Lei nº 13.786/18 tem de ser interpretada no sentido de proteger o adquirente do bem, colocando limites a cláusulas exageradas, porque a livre iniciativa prevista no art. 170 da Constituição Federal só pode ser flexibilizada quando houver algum valor social relevante protegido pela Carta Magna, como o da proteção do consumidor. A referida lei modificou apenas a Lei nº 4.591/64 e a Lei nº 6.766/76 e não o Código de Defesa do Consumidor, que será aplicado, de modo a limitar práticas abusivas para proteção da parte mais vulnerável.

O arrependimento é tanto um fato da vida como das relações jurídicas. Em alguns casos o arrependimento atrairá consequência desejáveis e em outros não. Portanto, conhecer o significado jurídico do direito de arrependimento é essencial para exercê-lo. Distrato imobiliário é a rescisão de um contrato de compra e venda que envolve um imóvel. O distrato pode ser tanto de iniciativa do comprador quanto da incorporadora. Antigamente, não existia uma lei específica que determinava como esse tipo de assunto deveria ser resolvido, o que tornava o distrato um verdadeiro pesadelo para todos os envolvidos.

Usa-se esse direito na promessa de compra e venda de imóveis, em diversos contextos. Em alguns desses contextos o direito ao arrependimento decorre de lei e em outros da vontade das partes contratantes. Por ser um direito o seu exercício não resulta em descumprimento contratual. Cabe lembrar, ainda, que o direito ao arrependimento tem prazo e condições para se exercer. Também se deve considerar que em algumas hipóteses o exercício do direito ao arrependimento não implica em perda econômica, mas em outras sim. Contudo, é importante lembrar que o arrependimento é a exceção e não a regra. A regra dos contratos é ser irretratável e irrevogável.

A última década foi de altos e baixos para o mercado imobiliário brasileiro, que viveu tanto o seu auge histórico quanto um forte e rápido declínio. O período de sucesso e crescimento econômico, impulsionado, sobretudo, por incentivos fiscais a consumidores e setores produtivos, pode ser ilustrado pela criação e ampliação do Programa Minha Casa Minha Vida - hoje substituído pelo Programa Casa Verde e Amarela -, bastante associado ao Regime Especial de Tributação (RET) do qual tratamos em artigos anteriores. Já a pesada crise financeira vivenciada após a Copa do Mundo de 2014, com um ponto crítico em 2016, no contexto dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, levou a um imenso volume de negócios imobiliários desfeitos e a um enfraquecimento de caixa para os atores desse segmento. Déficit fiscal, desconfiança internacional, perda de investimentos e alta do dólar, importante parâmetro em relação ao custo dos insumos da construção civil, se somaram à alta e crescente taxa de juros e ao aumento da inflação, tornando a produção mais cara e difícil. Ao mesmo tempo, o desemprego aumentava, as famílias se endividavam e o crédito imobiliário se tornava escasso. E qual foi o resultado dessa perversa equação? O aumento da inadimplência e as rescisões de contratos. Além das vendas já feitas que se perdiam com as rescisões, o número de lançamentos imobiliários Brasil afora diminuiu e novas comercializações de imóveis ficaram cada vez mais difíceis.

Por questões econômicas e sociais, nos últimos anos observamos forte incentivo para realização de negócios imobiliários, culminando, especialmente, na aquisição de imóveis na planta. Porém, a crise financeira mundial já reflete no Brasil. O crescimento do PIB tem sido abaixo do esperado e há o aumento da inflação, elevando o custo de vida. O resultado é que os salários já não comportam o adimplemento de todas as prestações de anos atrás. Como consequência, o número de pessoas com dificuldade em honrar as prestações dos imóveis adquiridos, especialmente na planta, está aumentando - e vários compromissários compradores, ao rescindir o contrato, estão sofrendo prejuízos maiores do que o legalmente aceitável. Especialmente pelo desconhecimento do direito que possuem, até mesmo como devedor. Isso porque, ao longo dos anos, o Judiciário consolidou o entendimento de que o devedor, também, possui direitos, inclusive para pleitear a própria rescisão contratual em decorrência da situação financeira que ocupa. Ou seja, o Judiciário reconhece que o devedor não precisa aguardar que o credor adote qualquer procedimento para lhe cobrar, período em que o débito é atualizado com incidência de juros e demais ônus monetários que resultam no aumento do prejuízo do devedor. Assim, o aconselhável é que o compromissário comprador inadimplente, ao perceber que não conseguirá honrar com as prestações, entre em contato com o credor, exponha sua situação e questione se há possibilidade de avençar a rescisão contratual de forma extrajudicial, sendo imprescindível questionar no mínimo três questões fundamentais: 1) percentual do valor pago que será retido a título de taxa administrativa ou uso do bem; 2) metodologia de atualização do valor pago; 3) prazo para devolução dos valores.

Ora, nos termos do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". No mesmo sentido, o art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro - LINDB determina que "a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada". Dessa maneira, o ordenamento jurídico nacional rechaça a aplicação retroativa da lei, ainda que seja, quanto às disposições contratuais, em seu grau mínimo, sob pena de ferimento à vontade das partes. A obrigação contratual é estabelecida mediante equilíbrio entre as prestações que se imputam a seus participantes. A incidência de novos comandos normativos acaba por afetar o arranjo validamente estabelecido (verdadeiro direito pactuado pela autonomia das vontades), que levou em consideração as regras existentes ao tempo da celebração do contrato. Na relação contratual, é relevante o princípio do pacta sunt servanda, de modo que as condições livremente negociadas e estabelecidas entre os contratantes sejam fielmente observadas. O mais importante e significativo sobre a nova lei do distrato imobiliário são as mudanças que ela está provocando no mercado. Todo mundo no setor de construção civil sabe que que desfazer um contrato, por qualquer motivo, e não importa de que parte seja a iniciativa, é sempre desgastante e custoso. Assim, com as mudanças realizadas e a maior clareza na regulação do distrato, muitos problemas serão evitados ou, pelo menos, resolvidos de maneira mais simples.

Após quase 3 anos de sua entrada em vigor o que observamos é um boom do mercado Imobiliário nacional. Em Goiânia, por exemplo, segundo número da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Goiás - ADEMI/GO, a cidade teve o seu número de lançamentos triplicado nos últimos meses. Com certeza as razões desse crescimento passam por outros fatores que não apenas o fator "nova Lei", tais como: a pandemia da COVID-19, a quebra de paradigmas em relação ao trabalho remoto e a busca por mais espaço em casa, dentre outros. Entretanto, não há como negar que a lei 13.786/18, conhecida como Lei dos Distrato, teve um papel primordial para garantir a segurança jurídica dos negócios da seara imobiliária realizados em nosso país. Além de regulamentar os percentuais de retenção para os casos de desistência dos negócios realizados, por iniciativa do consumidor/adquirente, estabelecer percentuais relativos à fruição, tanto para incorporações, quanto para loteamentos, ela também regulamenta a possibilidade de atraso de obras em 180 dias, sem prejuízos para o incorporador, além da possibilidade de desistência da operação realizada, dentro de 7 dias da data da compra, por parte do adquirente, estabelecendo os critérios para que essa desistência se concretize. Para se ter uma ideia da importância da Lei, segundo dados do SECOVI-SP, a média de "distratos" no Brasil de 2013 à 2018 foi de 40%, tendo seu pico em novembro de 2016, com uma média de 44% de resoluções contratuais realizadas no país. Quem pagava indiretamente está conta eram os adquirentes que estavam cumprindo rigorosamente seus contratos, já que com 40% de média de rescisões contratuais e a obrigatoriedade via súmula, de devolução de uma média de 90% do que o consumidor pagou, imediatamente e em uma única vez, por vezes inviabilizava o negócio para o empreendedor que em muitas oportunidades acabava atrasando a entrega do empreendimento, em razão de sua descapitalização de caixa, para execução da obra. Já no ano de 2019, após o início da vigência da nova Lei, esse percentual caiu em 30 pontos percentuais, figurando na casa de 10% de "distratos" de média no Brasil. Conquanto a jurisprudência e a súmula 543 do STJ buscassem a consolidação da matéria, não conseguiam trazer a segurança jurídica necessária para o segmento, que é e sempre foi um dos principais combustíveis de aceleração da economia nacional. Vale lembrar que, após muitas discussões e sanção presidencial, a Lei em questão, por surpreender com o seu texto, foi bastante criticada por especialistas no assunto, mas é indiscutível que foi e é extremamente necessária para a segurança das duas partes envolvidas no processo de venda e compra de imóveis, quais sejam, consumidor e empreendedor. A tendência natural é que a Lei seja cada vez mais conhecida pela sociedade.

As partes que celebram um contrato imobiliário (independentemente da espécie) não desejam fazer meras declarações sem efeitos e não cumpri-las. Os contratos são feitos para serem cumpridos. Também, se segue essa regra na promessa de compra e venda, embora seja um contrato preliminar, compromete-se com a celebração do definitivo. Todavia, na promessa de compra e venda de imóveis encontra-se mais casos que justificam o uso desse direito. Quando se verifica as leis que tratam do tema a conclusão é a mesma. A lei de parcelamento do solo estipula a irretratabilidade e irrevogabilidade como regra. Essa lei prevê a comercialização de terrenos loteados, desmembrados ou de condomínio de lotes. O Código Civil que regula o contrato preliminar e a promessa de compra e venda também estipula que o direito de arrependimento é exceção. O Arras que é um instituto tão usado também tem a irrevogabilidade e irretratabilidade como regra e o direito ao arrependimento na exceção. Outrossim, a lei de incorporação imobiliária tem como regra a irretratabilidade e irrevogabilidade em seus contratos. Embora, como veremos adiante, iniciarão com a possibilidade de arrependimento. Assim, os casos de aplicação do direito de arrependimento nos contratos imobiliários são mais restritos. Ademais, sua previsão legal como dever legal só há em situações específicas. Tem-se como exemplo a Lei do Distrato (Lei n. 13786/2018) que previu a aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Contudo, sobre essa e outras hipóteses de uso do direito de arrependimento falaremos mais adiante. O contrato em exame é bilateral; daí sua denominação referir-se à compra e à venda, sendo impróprio designá-lo promessa de venda, como abreviadamente é por vezes denominado na prática. Promessa de venda é designação apropriada a outro contrato preliminar, unilateral, regido pelo artigo 466 do Código Civil, que só vincula a parte promitente vendedora, conferindo-se à outra parte (a promissária) o direito potestativo de celebrar o contrato principal. Do contrato unilateral de promessa de venda deve distinguir-se, também, a proposta de contratar a venda de um imóvel, que não é contrato, mas ato do processo de formação de um contrato, nos termos dos artigos 427 e seguintes do Código Civil. Ao contrato de promessa de venda e, obviamente, à proposta de contratar a venda de imóvel não se aplicam os artigos 1417 e 1418 do Código Civil, razão pela qual não são hábeis para constituir direito real à aquisição do imóvel.

A Lei do Distrato é um importante ato normativo, que, ao trazer mudanças relevantes para a lei que regula as incorporações imobiliárias (Lei 4.591/1964) e para a lei que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.776/1979), gerou ganhos de segurança jurídica para um segmento fundamental da economia no Brasil. Apesar das orientações claras contidas no texto da Lei do Distrato, contar com uma assessoria de qualidade para a revisão e a elaboração de contratos é fundamental para que as novas exigências legais sejam corretamente atendidas, evitando-se, inclusive, o desfazimento de negócios por justa causa.

ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: Rescindindo o contrato de promessa de compra e venda de imóvel, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. A João Neto Advocacia apoia seus clientes nos pedidos de restituição de valores contra os compradores, em caso de extinção contratual.

João Neto

Advogado

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FONTES:

conjur.com.br

lageportilhojardim.com.br

sienge.com.br

migalhas.com.br

tjdft.jus.br

carvalhogomes.adv.br

loboelira.com.br