PROBLEMA: Construtora atrasa entrega da obra.
SOLUÇÃO: Consumidor tem direito ao reembolso das parcelas pagas.
A aquisição de um imóvel ainda na planta é uma das maneiras mais comuns e baratas de comprar a casa própria no Brasil. Nos últimos anos, porém, aumentou consideravelmente o número de casos de atraso na entrega dos imóveis comprados, o que tem frustrado os sonhos e causado prejuízo para muita gente. Um projeto de lei visa aumentar as punições às construtoras que descumprem tais prazos. O projeto determina que, em caso de demora na entrega das chaves, as incorporadoras terão de pagar ao comprador uma multa correspondente a 10% do valor contratual do imóvel adquirido, mais 1% para cada mês de atraso. Enquanto a lei não entra em vigor, o Código de Defesa do Consumidor prevê uma série de medidas de proteção ao comprador caso o atraso na obra supere os 180 (cento e oitenta) dias previstos em quase todos os contratos.
O artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) permite que, no contrato de adesão, as cláusulas sejam estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo. A regra vale para o contrato de compra e venda feito com construtora para aquisição de imóvel. Isso pode ser um problema para o consumidor - se este não conhecer seus direitos e, consequentemente, não souber identificar possíveis abusos por parte daquela. Em razão de problemas de natureza contratual ou do produto, a cada dia aumenta o número de demandas judiciais envolvendo construtoras. Confira a jurisprudência do STJ sobre o tema.
Estes empreendimentos, geralmente impulsionados por grandes construtoras, estão em foco como meio para obtenção da casa própria, porém, muitas vezes, se destacam pelo descumprimento do prazo para finalização das obras e por cobranças indevidas. Os consumidores, então, pleiteiam perante a justiça eventuais danos materiais e morais decorrentes do atraso. Mas quais são os limites e parâmetros para esta responsabilização? Quando a construtora responde? É lícito cobrar taxa de condomínio antes da entrega das chaves? São muitas as dúvidas que surgem relacionadas a esta questão. Já é pacífico nos Tribunais o dever das incorporadoras, à luz do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, de indenizarem os consumidores por este inadimplemento. A jurisprudência firmada é de que a multa devida é de 0,5% do valor do imóvel por mês de atraso, por lucros cessantes, valor calculado com base no aluguel que o proprietário ganharia ao locar este bem, ou no valor calculado que o consumidor gastou de aluguel em um imóvel análogo.
Muitos não sabem que existe um documento - memorial de incorporação - que descreve todas as características do imóvel; inclusive detalhes como marca, tipo e modelo do piso, além da cor da tinta das paredes. Esse documento deve ser registrado no cartório antes da venda do imóvel. Com isso, aquele que estiver interessado em comprá-lo poderá verificar, antes de fazer o negócio, se todos os itens conferem com o constante no memorial. A publicidade veiculada pelas construtoras faz parte do contrato.
Cumpre esclarecer que a simples alegação de imprevistos, como chuvas e greves, por exemplo, não eximem as empresas do cumprimento dos prazos, já que estes fatores devem ser previstos inicialmente, não sendo considerados caso fortuito ou força maior. O risco do negócio é do empreendedor, e não do consumidor. As construtoras, de antemão, já costumam prever em seus contratos as chamadas cláusulas de "tolerância", normalmente de 6 meses, como maneira de "driblar" o próprio inadimplemento, cláusula esta questionada por eventual abusividade, acusada de não respeitar o princípio da igualdade, baseado no artigo 6 do CDC, já que o consumidor não tem a mesma carência em caso de inadimplência por sua parte. Em que pese o entendimento contrário da maior parte dos especialistas em direito do consumidor, o Tribunal de Justiça de São Paulo, assim como outros, já pacificou seu entendimento pela validade dessa cláusula, permitindo, portanto, esse período de "carência" na mora, quando prevista contratualmente. No mais, quanto às taxas de condomínio, o STJ já decidiu pela ilegalidade da cobrança antes da entrega das chaves, momento no qual o comprador toma posse do bem. Antes disso, caso tenha ocorrido a assembleia de instalação de condomínio, a responsabilidade pelo pagamento da taxa condominial pertence à construtora até a entrega do imóvel. Em relação à indenização por danos morais, a jurisprudência firmada é de que, em regra, não é devida pelo simples atraso. No entanto, cada situação deve ser analisada individualmente, já que cada caso tem as suas particularidades. Isto posto, nos parâmetros do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade da construtora é objetiva, sem a necessidade da demonstração de culpa, devendo aquele que se sinta prejudicado buscar a justiça para garantir os seus direitos através de um profissional da área.
Normalmente há a previsão de multas a serem aplicadas na demora, sem justificativa, no cumprimento do contrato. Esta multa pode ser aplicada com a exigência da conclusão da obra sem o pagamento integral do valor combinado - retirando-se o percentual de multa, que pode ser de 10% do valor total.
A MRV Engenharia foi condenada a pagar indenização por danos morais de R$ 10 mil por atraso na entrega do apartamento de uma cliente. A decisão é do juiz Epitácio Quezado Cruz Junior, titular da 31ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza. Na sentença, o magistrado ainda declarou nula uma das cláusulas do contrato de compra e venda estabelecido entre os envolvidos, reconhecendo sua abusividade. Segundo o processo (nº 0202148-04.2013.8.06.0001), no dia 5 de abril de 2011, as partes celebraram contrato particular de promessa de compra e venda referente a um apartamento do Condomínio Premium Club, por um valor em torno de R$ 103 mil. O prazo final para a entrega do imóvel seria maio de 2013, sendo que a data era uma estimativa, podendo variar.
A construtora não concluiu o empreendimento no prazo. Por conta do atraso, a cliente ingressou com ação na Justiça requerendo, entre os pedidos, indenização por danos morais. O imóvel acabou sendo entregue somente em março de 2015. Na contestação, a empresa alegou inexistência de demora para conclusão da obra, haja vista a legalidade da cláusula quinta do contrato, acrescentando que enfrentou inúmeras dificuldades decorrentes de greve dos funcionários da construção civil, o que seria capaz de autorizar a prorrogação do prazo por tempo indeterminado. Sustentou ainda que a mesma cláusula estabelece a consideração de prorrogação do prazo para entrega, sem prejuízo da tolerância admitida, se resultante de caso fortuito ou força maior, como previsto pelo Código Civil, tais como a ocorrência de greve da construção civil.
A juíza da 1ª Vara Cível de Belo Horizonte, Soraya Hassan Baz Láuar, condenou a construtora Habitar e a indenizar um cliente em R$ 15 mil por danos morais por atraso na entrega de um imóvel. Sobre o valor devem incidir juros e correção monetária. O comprador afirmou ter assinado contrato para aquisição de um apartamento no valor de R$ 190 mil no bairro Buritis, com entrega prevista para 30 de janeiro de 2011, prorrogável por 120 dias úteis. Contou que, vários meses após o prazo de entrega, incluindo a prorrogação, a construção estava longe de ser concluída, sendo que o autor, conforme alegou, mantinha em dia o pagamento das parcelas do financiamento. Informou que a Habitar e lhe enviou cartas confessando o descumprimento do contrato e divulgou em seu site a data de entrega estimada para outubro de 2012. O cliente considerou que certas cláusulas contratuais são abusivas e que a conduta da construtora causou-lhe danos morais e materiais, o que motivou seu pedido de indenização. A empresa contestou alegando que a construção civil é uma atividade muito complexa, sendo o atraso na entrega do apartamento justificável, tendo em vista o "longo período de chuvas torrenciais prolongadas, no final do ano de 2010 e início do ano de 2011". Destacou serem legais as cláusulas do contrato e negou existirem elementos que configurem como sua a responsabilidade civil pela atraso na entrega do imóvel. A juíza considerou que não há dúvidas sobre o descumprimento do prazo contratual para a entrega do apartamento. Ela não concordou com a alegação da construtora a respeito das chuvas, entendendo que caberia à Habitar e demonstrar o vínculo entre as condições climáticas desfavoráveis à construção e o não cumprimento do contrato. "O que se tem por realmente notório é o fato de que a requerida [empresa] estaria passando por um 'período de reformulação interna' e que, em virtude disso, as construções estariam atrasadas, levando-a à alteração unilateral das datas de entrega dos imóveis negociados com seus clientes", argumentou. A magistrada entendeu que houve danos morais já que o negócio firmado entre as partes refere-se ao "sonho da casa própria". Ao estipular o valor da condenação, a julgadora levou em conta a necessidade de compensar o sofrimento do comprador, punir a construtora, desestimulando-a de praticar conduta semelhante sem, no entanto, causar enriquecimento indevido da vítima.
Uma das queixas mais comuns enfrentadas pelo Judiciário é o atraso na entrega dos imóveis vendidos na planta. Vários casos já chegaram ao STJ. De acordo com dados do Ibedec, 95% das obras no Brasil são entregues com atraso. "Todos os contratos preveem uma cláusula, que reputamos ilegal, de tolerância de 180 dias na entrega do imóvel", afirmou Rodrigo Daniel dos Santos. Em setembro de 2011, a Terceira Turma do STJ decidiu que o atraso de três anos na entrega de um imóvel adquirido na planta não configurou dano moral. "A devolução integral das parcelas pagas, devidamente corrigidas, é suficiente para indenizar os prejuízos. Não há falar em indenização por dano moral na espécie", afirmou o ministro Massami Uyeda, relator do REsp 1.129.881.O contrato de compra e venda com a construtora, cujo objeto era um imóvel situado no Rio de Janeiro, foi celebrado em novembro de 1994, com entrega prevista para novembro de 1997. A cliente chegou a pagar mais de R$ 114 mil em prestações durante o tempo em que esperava pela entrega (que nem chegou a acontecer).Diante disso, moveu ação de rescisão contratual, cumulada com pedido de devolução integral das parcelas pagas, bem como indenização por danos moral e material. O juízo de primeiro grau julgou o pedido procedente, tanto em relação à rescisão, quanto à devolução das parcelas e ao dano moral - fixado em R$ 24 mil. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença, apenas para afastar a condenação em lucros cessantes.
ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: na contratação de um serviço de obras, o que se tem que levar em conta são os termos do contrato celebrado, seja ele verbal ou escrito. Antes de assinar o contrato, procure conhecer obras da construtora que estejam em andamento e, se possível, conversar com outros compradores. Guarde todo material de propaganda em que constem a descrição do empreendimento e a data prometida para entrega. Procure a construtora responsável, por meio do sistema de atendimento ao consumidor (SAC) e solicite uma resposta por escrito sobre o que está ocorrendo e peça que a construtora informe uma nova data de conclusão, caso o comprador não seja notificado sobre possível atraso. Não aceite a cobrança de condomínio antes da entrega da chave diante do atraso na obra. Embora comum, essa prática é ilegal, isso porque a obrigação de pagar o condomínio nasce apenas após o recebimento das chaves do imóvel. Se a demora superar 180 dias, o consumidor tem direito a reembolso do aluguel pago enquanto aguarda a liberação do imóvel em atraso, na ordem de 0,5% por mês sobre o valor atualizado do contrato, até a efetiva entrega das chaves da unidade adquirida, além de danos morais, conforme a situação vivenciada. Em caso de rescisão do contrato, a Justiça garante reembolso imediato, integral e corrigido do valor pago (Súmula 543, do Superior Tribunal de Justiça), bem como indenização por danos morais e materiais, conforme o caso. Não é preciso aguardar a conclusão da obra ou aceitar o pagamento em parcelas. O consumidor tem direito de buscar a defesa de seu direito por intermédio da advocacia e exigir o congelamento do saldo devedor, sem aplicação do Índice Nacional da Construção Civil (INCC) de correção. A solicitação será enviada pelos Correios, com aviso de recebimento (AR). Geralmente as construtoras não congelam o saldo devedor após o atraso e isso dificulta possível financiamento bancário.
João Neto
Advogado
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FONTES:
migalhas.com.br
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