PROBLEMA: Cobrança bancária e crise financeira devido ao COVID-19
SOLUÇÃO: Agravamento financeiro propicia ação judicial para suspensão de cobrança.
O adiamento de eventos e a impossibilidade de estabelecimentos comerciais e de serviços atenderem ao público são alguns dos reflexos da pandemia de coronavírus sobre os negócios. O empresário sabe bem que manter a empresa fechada ou postergar a realização de um compromisso previamente agendado não é tão simples assim, uma vez que, em geral, as relações do negócio são previamente firmadas em contratos. Uma epidemia virulenta e de alto contágio se dissemina em todo o planeta em questão de poucos meses, provocando efeitos de expressiva magnitude, particularmente no mercado econômico. Os resultados são avassaladores, com óbitos em grande escala, dificuldades financeiras de empresas, de trabalhadores sem poder comparecer em seu labor diário, enfim uma situação que atinge todos os segmentos. Os impactos contratuais são sensíveis em praticamente todos os setores da atividade econômica, e geram a impossibilidade do cumprimento de prazos, preços ou quantidades pré-estabelecidas. Trabalhadores veem-se impossibilitados de chegar às indústrias, que por via de consequência enfrentam redução de sua produtividade. Países decretam o fechamento de suas fronteiras e espaços aéreos, impossibilitando o transporte internacional de pessoas. O restaurante que contratou um açougue para fornecimento de carne não poderá realizar o pagamento, diante da ausência de clientes, que estão em isolamento domiciliar. Construtoras são impossibilitadas de dar continuidade às suas obras, o que gera atrasos nos prazos contratuais de entrega assumidos. Diante de tais situações, pergunta-se: é possível invocar a pandemia do covid-19 como excludente de responsabilidade por força maior? Atualmente, no mundo, não se fala de outro assunto, que não da crise causada pela Pandemia de Coronavirus COVID-19 e de como afetará a saúde das pessoas, de seus entes queridos, suas economias e as economias das nações. Esta situação de Pandemia já foi reconhecida pelo Governo Federal (Lei 13.979. de 6 de fevereiro de 2020) tendo, inclusive, o Congresso Nacional, em 20 de março de 2020, reconhecido estado de calamidade pública para os fins constantes do art. 1º do citado decreto. Também no âmbito do Governo Federal diversas Medidas Provisórias têm sido editadas à fim de fazer frente à crise causada pela citada Pandemia, as quais começaram com a Medida Provisória nº 921, de 7 de fevereiro de 2020, sendo que várias têm-se seguido a ela. Os governos Estaduais e Municipais também têm-se mostrado bastante ativos. No dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que a Covid-19, doença causada pelo Sars-Cov-19, já é caracterizada como uma pandemia. Dessa forma, foi sancionada a lei 13.979/20 que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do surto ocasionado pelo coronavírus. Foi ainda promulgado o decreto 10.282/20 para regulamentar a lei 13.979/20, a fim de definir quais são os serviços públicos e as atividades essenciais. Muito embora ainda não haja posicionamento dos Tribunais e dos Poderes Legislativo e Executivo sobre os efeitos jurídicos oriundos das medidas de prevenção adotadas para diminuir os impactos da Covid-19, o entendimento mais plausível seria o de caracterizar a pandemia como caso fortuito, considerando as medidas drásticas que já estão sendo tomadas e que ainda estão por vir. Neste sexto artigo da série sobre os impactos do novo coronavírus no Direito Civil, voltarei à temática dos Direitos das Obrigações e dos Contratos, para auxiliar em uma discussão teórica que tenho visto: a pandemia do novo coronavírus consistiria em caso fortuito ou força maior? Inicialmente, é preciso destacar dois pontos: (1) trata-se de um debate meramente teórico, sem produção de efeitos práticos; (2) para entrar na discussão, é preciso escolher um referencial teórico, ou seja, um entendimento a ser adotado. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não for responsável por eles. Com esse entendimento, o juiz Mario Chiuvite Júnior, da 22ª Vara Cível de São Paulo, suspendeu, por 90 dias, os pagamentos das prestações ajustadas em cédulas de crédito bancário entre um restaurante e uma instituição financeira. O restaurante firmou duas cédulas de crédito bancário, no total de R$ 3 milhões. As parcelas vinham sendo pagas corretamente, porém, segundo a empresa, a situação econômica e social do Brasil "sofreu drástica alteração na últimas semanas" em razão da pandemia do coronavírus. O restaurante teve que fechar as portas e alega estar sem faturamento. Por isso, pediu a suspensão temporária dos pagamentos das prestações ao banco, sem cobrança de multa. O juiz acolheu o pedido e, na decisão, citou o decreto estadual que regulamentou a quarentena em São Paulo e que proíbe o atendimento presencial em restaurantes, prejudicando a atividade do autor da ação. "O caso fortuito ou força maior exclui a responsabilidade da parte que não deu causa ao seu advento, consoante preceitua o artigo 393 do Código Civil", afirmou. O magistrado destacou que, no momento da assinatura dos contratos com o banco, o restaurante não tinha como prever o surgimento de uma pandemia que atingiria em cheio sua atividade econômica, praticamente paralisando-a. É neste momento, segundo Júnior, que o Estado deve atuar para equilibrar as relações jurídicas em geral para "salvaguardar o interesse público, evitar maiores e profundos prejuízos a todos, mormente àqueles que se mostram mais vulneráveis na relação jurídica estabelecida". Segundo Júnior, o perigo de dano a eventual direito da parte autora decorre do fato de que a não concessão da presente medida, neste momento processual, pode gerar "evidentes e sérios prejuízos" à subsistência do restaurante, "bem como em absoluto respeito aos direitos de seus funcionários que devem ser garantidos ao máximo". Em função dessa situação de emergência em saúde pública, alguns contratos, inevitavelmente, serão descumpridos. Ainda que as partes envolvidas não sejam as responsáveis pela inviabilidade de executar o que havia sido acordado, correm o risco de entrar em um imbróglio jurídico. O isolamento social e as outras restrições impostas pela lei 13.979/20 e pelos decretos estaduais e municipais, mesmo que de forma excepcional e por período temporário, podem ocasionar a impossibilidade de adimplemento de contratos, seja por motivos de baixa na arrecadação das empresas ou até pela paralisação parcial ou integral dos serviços. Do ponto de vista contratual, sabe-se que o contrato cria obrigações entre as partes, e havendo descumprimento, nasce a necessidade de reparação dos prejuízos causados pelo inadimplemento. Assim sendo, vejamos o que o Ordenamento Jurídico Brasileiro dispõe sobre o inadimplemento contratual em circunstâncias de caso fortuito. O Código Civil determina em seu art. 393 que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Caso fortuito e força maior são institutos extremamente semelhantes, se confundindo nas suas consequências, sendo necessário o detalhamento de suas diferenças. A força maior deriva de um fato extrínseco à atividade da empresa, tratando-se de eventos naturais, não havendo interferência externa ou vontade humana, são exemplos as tempestades, inundações e raios. Quanto ao primeiro ponto, veja-se que o Código Civil brasileiro não distinguiu o caso fortuito da força maior ao estabelecê-los como excludentes de responsabilidade no art. 393. A legislação, contudo, prevê alternativas para situações nas quais o contrato não pode ser cumprido em função de eventos imprevisíveis que estão fora do controle das partes. São os casos da força maior e da teoria da imprevisão - lembrando que a solução jurídica ideal pode variar caso a caso, dependendo da natureza do contrato e do que foi negociado. Confira, a seguir, explicações sobre cada uma delas. Nesse contexto, insere-se a problemática do que fazer com os contratos celebrados anteriormente à eclosão dessa crise. Muitas obrigações se encontram agora impossibilitadas de serem cumpridas, pois o cenário mundial foi completamente alterado. A recessão prevista e anunciada comprometerá o crescimento dos países e das empresas, produzindo em escala exponencial insolvências, perda de capital de giro e investimentos nas Bolsas de Valores. Por sua vez, o índice de desempregados e de pessoas que migrarão para a atividade informal será expressivo, com efeitos no sistema de arrecadação tributária, uma reação em cadeia com resultados nocivos para todos. Nesse cenário, torna-se necessário fazer uma reflexão e análise sobre as condutas que deverão ser tomadas pelas empresas, em termos de responsabilidade civil. No primeiro momento, é indispensável concluir que estamos diante de um fato de força maior, elemento da natureza que independe da intervenção humana. E, diante desse quadro, torna-se curial destacar a cláusula resolutiva prevista no artigo 393, do Código Civil, que dita: "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado". Ou seja, o devedor responderá apenas caso tenha assumido expressamente o compromisso de honrar com a obrigação, mesmo diante de força maior. Já o caso fortuito é oriundo do próprio serviço, havendo interferência humana na organização e funcionamento deste serviço, por exemplo o cabo de uma instalação que se rompe, a peça de uma máquina que despenca, produzindo acidentes e danos materiais ou pessoais. O caso fortuito pode, ainda, ser causado por fato de terceiro, como por exemplo, a greve, que, por sua vez, provoca a paralisação da fábrica e impossibilita a entrega dos produtos, fazendo com que a empresa não consiga adimplir suas obrigações. Entendemos que o inadimplemento contratual advindo das consequências das restrições impostas pelo Governo como forma de prevenção ao coronavírus, se encaixam no conceito de caso fortuito. Isso porque a impossibilidade do cumprimento das obrigações contraídas é decorrente da própria atividade exercida. Maria Helena Diniz explica ainda que o caso fortuito pode ser oriundo de um fato de terceiro, que é exatamente o que ocorre no caso das medidas de prevenção contra a Covid-19, que foram determinadas pelo Estado, afetando por consequência, a produtividade das empresas e o cumprimento de suas obrigações. Logo, considerando não haver culpa por nenhuma das partes, o devedor, em regra, não responderá pelos possíveis prejuízos causados, salvo se não tiver assumido no contrato o dever de responder pelo inadimplemento, mesmo na hipótese da ocorrência de eventos deste tipo. Por seu turno, o comando inserto no parágrafo único deste mesmo artigo estabelece como condição para a isenção de responsabilidade que não seja "possível evitar ou impedir" os efeitos ocasionados pelo caso fortuito ou força maior. Portanto, a excludente se operou ipso fato, porque não se trata de ato humano, e, ainda, por ser impossível de se evitar e ou impedir. É exatamente a partir dessa premissa que se desenvolve a presente pesquisa. A ausência de responsabilidade pela inadimplência com base na força maior apenas será reconhecida se absolutamente impossível o cumprimento da obrigação. Cumpre ressaltar que para que seja identificada a inadimplência ou mora como resultado da força maior deve ser analisada, primeiramente, a ocorrência de um evento extraordinário, imprevisível e inevitável. Em segundo, deve ser questionada a relação causa-efeito (nexo de causalidade) desse evento que resultou na inadimplência, e, após, a perda total do objeto para ao menos uma das partes, não bastando uma dificuldade maior, mas, sim, a impossibilidade, ainda que parcial, prática ou econômica, do cumprimento da obrigação. Na mesma linha de pensamento, deve ser constatado que não há meios alternativos possíveis de cumprir a obrigação e que o devedor tomou todas as cautelas possíveis após a ocorrência do fato para notificar a outra parte. o Decreto mº 6.4.8845. de 22 de março de 2020, pelo qual se decretou medida de quarentena no Estado de São Paulo, consistente em restrição de atividades de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus, nos termos do citado decreto, dentre muitos outros decretos.
ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: Como se vê, seguindo o entendimento adotado por Caio Mário e, mais recentemente, por mim e pelo Prof. Elpídio Donizetti, a pandemia, por derivar de força da natureza, consistiria em hipótese de caso fortuito. Por outro lado, seguindo-se o posicionamento adotado por Carlos Roberto Gonçalves, a pandemia, por se tratar de fenômeno natural, consistiria em força maior. Sendo assim, qual resposta está correta? Ambas. Porque, nos dois casos, extraiu-se uma conclusão a partir do referencial teórico adotado. E, nos dois casos, a conclusão está correta, à luz do marco estabelecido. Errado seria adotar o primeiro posicionamento e concluir que, por se tratar de força da natureza, a hipótese seria de força maior. Ou adotar o segundo entendimento e concluir que, por se cuidar de fenômeno natural, a hipótese seria de caso fortuito. A Lei da Liberdade Econômica (Lei n.º 13.874/2019) estabeleceu os princípios da paridade e da simetria dos contratos civis e empresariais. A norma também determinou que os riscos definidos pelas partes devem ser respeitados, de modo que a revisão contratual somente possa ocorrer de maneira excepcional e em casos extremos. Com isso, a lei garante que eventuais renegociações devem ser realizadas buscando o equilíbrio entre as partes. Diante da pandemia de coronavírus, que impõe dificuldades ao funcionamento dos negócios, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) recomenda que as empresas, quando se veem impossibilitadas de cumprirem o que foi acordado, busquem solucionar os conflitos amigavelmente, por meio da renegociação dos contratos, de modo a minimizar os danos e as demais implicações jurídicas. Cabe ressaltar que, em função do excesso de processos à espera de julgamento, somente é recomendado recorrer ao Poder Judiciário para readequação de contratos firmados entre particulares em último caso. Uma alternativa interessante é contar com os serviços das câmaras de arbitragem e mediação, se houver previsão contratual. De todo modo, a melhor solução é negociar.
João Neto
Advogado
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FONTES:
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