PROBLEMA: Banco realiza descontos abusivos no salário do consumidor em contratos de empréstimo consignado.

16/11/2019

SOLUÇÃO: Consumidor tem a possibilidade de limitar o percentual de descontos.

Em preliminar, é imperioso ressaltar que a súmula fora editada pela Segunda Seção do STJ em sessão realizada em 22 de fevereiro de 2018 e publicada no DJE em 26/02/2018 com a seguinte redação:

Súmula 603 - É vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual.

Contudo, pelo julgamento do Recurso Especial nº 1.555.722/SP, a mesma Segunda Seção, em sessão realizada no dia 22 de agosto de 2018 - exatos seis meses da edição do verbete -, determinou o cancelamento da referida súmula. O motivo precípuo, sem dúvidas, foi a arguição pelos Ministros da incorreta interpretação do verbete sumular pelos juízes e Tribunais do país, consoante expressamente enalteceu o Ministro Luis Felipe Salomão: "Com efeito, penso que o julgamento do caso concreto, no tocante a aplicação e conteúdo da novel Súmula 603/STJ, permitirá um exame adequado deste Colegiado. De fato, é que, com a devida vênia, vem sendo conferida exegese que não tem esteio no conjunto de precedentes que embasam o enunciado".

Entretanto, o cancelamento puro e simples da súmula 603 não significa dizer que toda interpretação contrariu sensu de sua redação seja válida. Aliás, a primeira crítica que se faz à Colenda Segunda Seção do STJ é a ausência de arrojo em não dar nova redação ao invés do seu cancelamento.

Com o advento de uma sociedade de massa, o crédito bancário também sofreu alterações. Atualmente, as instituições financeiras propõem aos consumidores contratos estandardizados, cuja forma é abstrata, uniforme, predisposta e rígida, caracterizando-se por serem contratos de adesão verbais ou escritos. Muito comum é a celebração de contratos de forma verbal, normalmente por telefone ou por escrito, mediante contratos eletrônicos, como por exemplo por meio do Bankline ou de caixas eletrônicos dentro ou fora da agência bancária. Ressalta-se que a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça é cristalina quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras.

Já aconteceu com muita gente, de passar na frente de uma vitrine de loja e, mesmo sem estar precisando, mas só porque o produto está em oferta, e acabar comprando. Outra vez, a pessoa está empregada e ganha pouco e tá precisando fazer uma reforma na casa ou de dinheiro por motivo de doença. Tanto pelo consumismo como pela necessidade inadiável, a pessoa acaba ficando endividada. O que a pessoa faz? Corre lá é faz um empréstimo pessoal, com parcelas a perder de vista para suprir a sua necessidade financeira.

Considerando o princípio da dignidade humana, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou válida a decisão que limitou a 30% da renda líquida do devedor o percentual de desconto de parcela de empréstimo de conta-corrente. O caso envolveu um empréstimo de R$ 122 mil e um acordo de renegociação de dívida, na modalidade empréstimo consignado, a ser quitado mediante o desconto de 72 parcelas mensais de R$ 1.697,35 da conta corrente do devedor. Ao verificar que o valor estabelecido como prestação superava a aposentadoria do devedor (R$ 1.673,91), a sentença, confirmada no acórdão de apelação, determinou a limitação dos descontos a 30% dos proventos líquidos do correntista. No STJ, o banco alegou que a cláusula-mandato é irrevogável e considerou descabida a limitação com base em percentual dos rendimentos líquidos. Pediu o restabelecimento dos descontos na forma pactuada, ou, subsidiariamente, no limite de 50% da remuneração bruta. O relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, negou o pedido. Segundo ele, acolher a pretensão do banco seria uma violação do princípio da dignidade da pessoa humana. Sanseverino relacionou a situação ao fenômeno do superendividamento, "uma preocupação atual do direito do consumidor em todo o mundo, decorrente da imensa facilidade de acesso ao crédito nos dias de hoje". Sanseverino destacou a ausência de legislação no Brasil que tutele o consumidor endividado. Ao citar o Projeto de Lei 3.515/2015, em tramitação na Câmara dos Deputados, que dispõe sobre o superendividamento do consumidor e prevê medidas judiciais para garantir o mínimo existencial, o relator disse que a via judicial tem sido hoje a única saída para muitos consumidores. "Constitui dever do Poder Judiciário o controle desses contratos de empréstimo para evitar que abusos possam ser praticados pelas instituições financeiras interessadas, especialmente nos casos de crédito consignado", disse o ministro. Sanseverino reconheceu que o contrato foi celebrado com a anuência do consumidor, mas ressaltou que o princípio da autonomia privada não é absoluto, "devendo respeito a outros princípios do nosso sistema jurídico (função social do contrato, boa-fé objetiva), inclusive a um dos mais importantes, que é o princípio da dignidade da pessoa humana". A turma, por unanimidade, considerou o desconto em conta excessivo, reconhecendo a existência de risco à subsistência do consumidor e de sua família, e determinou que ele fique limitado a 30% da remuneração líquida do correntista, excluídos os descontos obrigatórios, como Imposto de Renda e Previdência.

De fato, em uma leitura apressada e sem parcimônia da súmula cancelada, faria (e fez) presumir que todo e qualquer desconto praticado pelas instituições financeiras nas contas dos correntistas oriundas do recebimento de salários, vencimentos ou proventos, seria tida por ilegal, excetuando os casos de empréstimo consignado em folha de pagamento com regramento específico na Lei nº 10.820/2003.Destarte, a Lei nº 10.820/2003 que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, evitando coibir abusos que comprometam a satisfação das necessidades básicas dos empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), estabelece o teto de 30% sobre a folha de pagamento, dita pela expressão "reserva de margem consignável". Imperioso lembrarmos que o Decreto Estadual de São Paulo nº 51.314/2006, que previa a possibilidade de retenção salarial em patamar de até 50% (cinquenta por cento), foi revogado por diversos decretos posteriores (60.435/2014; 61.470/14) até o advento do Decreto Estadual nº 61.750/15 que reduziu o limite consignável para 35% (quarenta por cento), para os servidores públicos estaduais, civis e militares.

Um policial militar aposentado do Estado de Goiás terá reajustados os valores que são descontados de seu salário, referentes a empréstimos consignados. O homem, que tem salário bruto de R$ 11.234,27 e líquido de R$ 2.491,39, tem tido dificuldades para garantir a subsistência de sua família devido aos altos valores abatidos de seus provimentos. Segundo o advogado consumerista Rogério Rodrigues, que representa o cliente, é direito garantido pela Constituição Federal e por lei estadual que os descontos em folha não ultrapassem 30%."A Lei Estadual nº 16.898/2010 prevê como regra que, somados, os descontos provenientes de empréstimos consignados na folha de pagamento, não excedam 30% da remuneração. A própria Constituição Federal também garante a proteção ao salário, em atenção aos princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana", explica o advogado. Em sua decisão, o desembargador Itamar de Lima, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, considerou que, embora o cliente tenha contraído dívidas em três bancos (Caixa Econômica Federal, Banco Olé Bonsucesso e Banco BRB), é de responsabilidade das empresas fornecedoras de crédito adotar as cautelas necessárias para que o pagamento seja garantido, bem como para evitar o superendividamento dos consumidores. Além disso, ficou clara que a intenção do aposentado não é deixar de pagar as parcelas, mas ajustá-las à sua realidade econômica atual, evitando o comprometimento de sua subsistência.

Verifica-se que apesar de todas as soluções propostas pela doutrina, a jurisprudência ainda é resistente.Com a ausência de previsão legal específica para a solução do superendividamento, já que o Projeto de Lei 3.515/2015 ainda não foi aprovado, o consumidor fica ao arbítrio das instituições financeiras.

Ao revés, acaso as retenções das parcelas do mútuo sejam em conta-salário, em alusão à Lei nº 10.820/2003, deve-se respeitar a retenção não excedente a 30% do salário do mutuário. Lembramos que a verba alimentar, os salários, vencimentos, subsídios e remunerações são absolutamente impenhoráveis, fulcro no artigo 7º, inciso X, da Constituição Federal e artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil, excetuados os casos de pagamento de prestação alimentícia. Como dito pela própria Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do recurso especial nº 1.021.578/SP, "Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será a instituição privada autorizada a fazê-lo. - Ainda que expressamente ajustada, a retenção integral do salário de correntista com o propósito de honrar débito deste com a instituição bancária enseja a reparação moral.".Com isso, a solução referendada pelo julgamento do recurso especial nº 1.555.722, cancelando a súmula 603 do STJ, deu interpretação diversa da antiga redação, permitindo o desconto desarrazoado em conta corrente de consumidores que se utilizam dessa relação bancária para auferir seus salários e rendimentos, sob o nefasto pretexto da isonomia da vontade quando da assinatura de contratos de adesão e sem qualquer esclarecimento convincente do banco mutuante, quando, por muitas vezes, os mutuários se encontram sob premente necessidade na aquisição dos empréstimos.

ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: Esse assunto está pacificado no Superior Tribunal de Justiça, onde seu entendimento é de que o débito de prestação de empréstimo bancário em conta corrente abastecida com vencimentos do correntista não pode superar o limite de 30% do liquido percebido por ele, em face ao princípio constitucional referente à dignidade da pessoa humana e do mínimo essencial à sobrevivência (art. 1º, III da CF/88), ferindo, outrossim, o princípio norteador de boa-fé objetiva (art. 4º, III e 51, IV CDC), princípio esse que impõe ao fornecedor uma conduta pautada na lealdade, cuidado e cooperação com o vulnerável. O Consumidor deve buscar um advogado que avalie os contratos e verifique se há cobrança indevida. Assim, que o montante debitado em sua conta corrente - relativo a prestações dos empréstimos pactuados com o banco - extrapolam o referido percentual de expropriação. Assevera estar privado do mínimo necessário à sua sobrevivência e de sua família, em patente ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. Requer a concessão de tutela de urgência a fim de que os descontos debitados em sua conta corrente sejam suspensos ou, subsidiariamente, sejam limitados a 30% da remuneração ali creditada.

João Neto

Advogado

contato@jnjur.com.br

www.jnjur.com.br

FONTES:

conteudojuridico.com.br

jus.com.br

jusbrasil.com.br

conjur.com.br

migalhas.com.br

farelosjuridicos.com.br

rotajuridica.com.br